Miguel Sousa Tavares nasceu na cidade do Porto no dia 25 de Junho de 1952. Filho da emblemática Sophia de Mello Breyner Andersen e do advogado Francisco Sousa Tavares, Miguel Andersen de Sousa Tavares iniciou a sua vida profissional seguindo os passos do pai na advocacia, que viria a abandonar em favor do jornalismo. Seguiu depois o trilho da mãe no que se refere à escrita literária. Homem de opiniões fortes, tem nas crónicas e reportagens que elabora uma grande obra, tanto em quantidade como em qualidade. As suas aventuras literárias vão desde a publicação de livros infantis, passando por diversos contos e finalizando nos romances, dentro dos quais Equador ganha realce pois foi a inauguração nesta aventura. Rio de Flores é o seu mais actual romance. Entra todos os dias em nossa casa devido ao jornal “Expresso” e à estação de televisão TVI, onde é comentador, ou semanalmente através do jornal “A Bola”, onde ortografa a crónica intitulada “Nortada”.
Em Equador tudo começa numa manhã chuvosa de Dezembro, quando Luís Bernardo Valença é chamado por El-Rei D. Carlos a Vila Viçosa, no ano de 1905, ano em que Portugal tinha em sua posse as colónias de África.
Nunca em todo o trajecto de comboio que separa Lisboa de Vila Viçosa, Luís Bernardo imaginou o que o esperava daquela convocação repentina. Mas eis que as respostas às suas perguntas surgem. Devido às suas ideias e aos artigos que publicara sobre as colónias de África, defendendo os trabalhadores e levantando a discussão entre os “europeus” e os “africanistas”, El-Rei D. Carlos convida-o para Governador de S. Tomé e Príncipe. Em jogo, para além da governação da colónia, estava mostrar ao Mundo e principalmente aos ingleses que não existia trabalho escravo nas roças.
Luís Bernardo teria de trocar a sua vida despreocupada e mundana da capital lisboeta por uma missão patriótica nos desterros de África. Devido ao apoio dos amigos, salientando o seu companheiro de longa data João, Luís Bernardo aceita a nomeação.
Após ter desembarcado em S. Tomé, feitas as devidas conveniências e formalidades, Luís Bernardo começou a visita às roças. Cada uma tinha o seu mistério e o seu encanto.
O tempo passa... e vai passando... Luís Bernardo vê-se prestes a acolher um representante inglês para verificar se a escravatura que ainda existia nas colónias de um país que se dizia civilizado e evoluído. David e Ann Jameson chegam.
Os problemas começam a surgir. Luís Bernardo vê-se dividido entre a amizade pelo cônsul inglês e a descoberta arrevesada do amor. Para piorar a situação, ainda tem de lidar com mentalidades retrógradas e mesquinhas, levando-o a entrar em conflito com a metrópole e considerar-se um falhado A cada dia que passa sente-se mais desolado. A dignidade dos trabalhadores era, na maioria das roças, uma utopia. Apesar das suas ideias e filosofia de vida, a sociedade mesquinha que o rodeava não o deixava pô-las em prática.
Miguel Sousa Tavares consegue em Equador evidenciar bem a linha de separação entre dois mundos muito contrastantes: por um lado, temos uma metrópole dita “civilizada”, cheia de ideias, parada em serões libertinos e descontraídos, enquanto no outro lado deparamo-nos com dor e sofrimento, trabalho árduo, onde os pensamentos retrógrados e a ambição pelo lucro fazem esquecer tudo e todos.
Trata-se de um retrato bem delineado da sociedade portuguesa dos inícios do século XX, da inércia que a caracteriza. Embora existam ideias, a sociedade envolvente deixa muito a desejar, remetendo-nos para os “Vencidos da Vida”, ou como diz o próprio Luís Bernardo: “Não sei se sou eu que vencerei as ilhas ou elas que me vencerão a mim.”
Uma história cativante, com um vocabulário de fácil compreensão e acessibilidade. Esta obra leva-nos atrás no tempo, devido à história que se desenrola e à descrição minuciosa dos trajes da época, dos costumes, dos pensamentos, dos ideais de vida. Chegamos mesmo a sentir na pele os aromas, a humidade e o calor intensos que se encontram concentrados na densa atmosfera africana.
Todavia, pode-se transportar para o presente grandes lições de vida: adaptarmo-nos às condições mais adversas, ver em pequenas coisas um motivo para sorrir, não desistindo assim que o primeiro obstáculo aparece à nossa frente – tal como afirma o autor: “... ele desconhecia em absoluto a noção de tempo perdido e cada dia de vida era para ele uma dádiva, que nenhum desgosto e nenhum revés poderiam toldar.” – mas também a importância da amizade. É devido a ela que se enfrentam os mais dolorosos obstáculos, é ela que nos acompanha quando estamos sós, mesmo que seja numa “… aldeia metida dentro da selva e deixada à deriva no meio do Atlântico, à latitude do Equador...”.
Ao penetrar página a página deste livro, senti-me a viajar no tempo e conhecer um pouco da história do nosso país. Não aquela história maravilhosa, mas sim a do uso da escravatura, estando já esta abolida.
Um livro surpreendente que todos os portugueses deveriam ler, para que no fim se deixassem de discursos floridos e passassem realmente à acção...