quarta-feira, 15 de abril de 2009

Dúvida


Os ponteiros do relógio caminhavam a passos largos em direcção à meia-noite quando coloquei a chave na fechadura da porta da entrada de casa. Ao entrar no quarto, ouço o badalar do fim/início de mais um dia.
Tentei em vão dormir... Dava voltas e voltas na cama, mas o filme que tinha visualizado não me saía da cabeça!
“Dúvida” é um filme que levanta várias questões filosóficas, como por exemplo: o que é a certeza? É uma peça que John Patrick Shanley colocou nas telas de cinema com um excelente elenco: Amy Adams, Meryl Streep e Philip Hoffman nos principais papéis. A história decorre nos Estados Unidos da América, mais especificamente em Bronx, na Escola de St. Nicholas, no ano de 1964. Numa época em que comer carne às sextas-feiras era um acto impensável, escrever com esferográfica era um acto do Demónio e para um negro ingressar num liceu era necessário ter um comportamento impecável. Nessa mesma altura reinavam as acusações de abuso a menores por parte de padres católicos. Com a aproximação excessiva do padre Flynn, interpretado por Philip Hoffman, a um aluno negro, Donald Miller, a irmã James, sempre submissa, maliciosa e inocente, desabafa com a irmã Aloysius Beauvier, personagem a que Meryl Streep dá vida, pessoa que acreditava e defendia que a aprendizagem se baseava no medo e na disciplina, incrementando costumes rígidos na escola. Juntando as suspeitas da irmã James com o passado cheio de “histórias” nas paróquias precedentes e a maneira de ser do carismático, vibrante e inovador padre, a irmã Aloysius cria uma certeza dentro da sua cabeça para expulsar o padre da escola. Mas as provas que ela possui não passam de meras acusações e de uma certeza moral, uma certeza que ela está convicta de possuir e tudo faz para que se torne realidade. Contudo, essa mesma certeza que possuía transforma-se na certeza das suas dúvidas...
A escuridão e o silêncio reinavam no quarto. Foi então que me deixei embrenhar na reflexão sobre o filme não sei por quanto tempo.
O que é a certeza? Utilizando a função metalinguística da linguagem, podemos defini-la como sendo a qualidade do que é certo; firmeza; convicção... Mas será bem assim? Afinal, nós temos a certeza do quê? A certeza é algo real ou meramente algo em que acreditamos afincadamente?
Quando se acredita verdadeiramente em algo, dá a sensação que tudo se move a fim de tornar essa certeza mais evidente, passando de certeza a obsessão!
Outro facto que me marcou no filme foi uma afirmação, que passo aqui a citar: “Eu conheço as pessoas.” Mas será que se conhecem realmente as pessoas? Mesmo aquelas que nos rodeiam? Não haverá algo de misterioso e escondido em cada pessoa que a torna especial e única? Eu confesso que não conheço as pessoas que me rodeiam e tenho medo de as conhecer. Cada dia é um dia de novas descobertas daqueles que fazem parte do nosso mundo. Nem a mim própria me conheço, como poderei conhecer os que me rodeiam? Com o passar dos dias, cada um de nós cria uma imagem de cada pessoa seguindo diferentes critérios e dependendo da maneira de ser de cada um. Não é em vão que se simpatiza com umas e simplesmente se detestam outras pessoas.
Um filme com uma história simples, cheia de mistério e divergências, coloca frente a frente a certeza no puro instinto humano, um pensamento e cultura retrógrada com uma mente aberta. Entre estas duas margens opostas encontra-se uma ponte que balança sem saber para que lado se há-de voltar, uma vez que o destino ora se declina para um lado ora para o outro.
Quantos de nós, estando convictos de algo, nos deparamos com mil e uma coisas que mais forças dão à nossa certeza? Quantos de nós, ao ver um aperto de mão, não deram asas à imaginação e viram muito para além daquele aperto? Olhando o mundo à nossa volta, penso em quantas pessoas cometem erros pensando que foi um mal necesário, tal como matar para sobreviver, roubar para comer. Será que os nossos fins justificam os nossos meios?
Ao sair da sala de cinema, muitos foram os comentários referentes ao filme que balançavam entre o “gostei” e o “não gostei”. Eu simplesmente fiquei na dúvida...