segunda-feira, 2 de março de 2009

A Fúria das Vinhas


Enquanto a investigação criminal ainda mal passava de uma semente deitada na terra, as superstições eram já árvores milenares. A filoxera ia destruindo lentamente as vinhas do Douro e o medo e a crendice iam, ao mesmo tempo, estropiando as mentes dos dourienses. Debruçando-se nestas temáticas e enaltecendo a força do Douro surge A Fúria das Vinhas.
Este romance é da autoria de Francisco Moita Flores e foi publicado pela Casa das Letras (uma marca da Oficina do Livro), sedeada em Cruz Quebrada. O romance teve a sua 1.ª edição em Março de 2007 e já em Junho do mesmo ano foi lançada para o mercado a 6.ª edição.
O autor, Francisco Moita Flores, nasceu no ano de 1953. É casado com a actriz e produtora Filomena Gonçalves, que deu vida á personagem D. Antónia da série “A Ferreirinha” exibida pela RTP1 e escrita por Moita Flores. Este é bacharel em Biologia e até 1997 foi professor no ensino secundário, ano em que ingressa na Policia Judiciária. Até 1990 pertence às brigadas de furto qualificado, assaltos à mão armada e homicídios. Contudo, deixa esta instituição, dando preferência à vida académica. Foi sempre trabalhador-estudante e viveu uma vida repleta de inúmeras experiências nos seus 12 anos como agente da Polícia Judiciária. É ainda licenciado em História e doutorado pelo Instituto de História e Teoria das Ideias da Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra. Posteriormente fez Sociologia, especializando-se em Sociologia Urbana. Mais tarde especializa-se em Criminologia no Instituto de Criminologia de Lausanne e depois em Sorbonne, onde lecciona. Nesta altura prepara o seu Doutoramento em História das Ideias.
Dirige o Centro de Estudos de Ciências Forenses, ao mesmo tempo que colabora com vários jornais e revistas nacionais e programas televisivos. O excelente trabalho tem sido reconhecido, sendo várias vezes premiado em Portugal e no estrangeiro, assim como os seus livros traduzidos em inglês, francês e mandarim, ou mesmo adaptados aos ecrãs televisivos.
Na sua série televisiva “A Ferreirinha”, muito ficou por dizer no que se refere ao “…Paraíso prometido em todas as lições de catequese”, como o próprio autor alude ao Douro. Para dar continuidade a esse marco da ficção nacional, o autor inclui na sua vasta obra A Fúria da Vinhas.
Nas encostas férteis do Douro, Vespúcio Ortigão dá de caras com um serial killer que, na cidade do Peso da Régua, vai matando pobres donzelas indefesas.
Vespúcio vê-se encurralado: por um lado, tem um assassino em série que vai assassinando as flores nas margens do Rio Douro; por outro lado, tem as mentalidades retrógradas, presas ao Bem a ao Mal, à fúria do Demónio e do próprio Deus…
Na segunda metade do XIX, a filoxera ia destruindo lentamente as filhas do Douro, as vinhas de onde surgia o néctar dos Deuses eram agora transformadas em autênticos cemitérios de cepas secas e contorcidas. Todavia, D. Antónia, mais conhecida como Ferreirinha, acreditando num amanhã melhor, luta para combater esta praga que vai estropiando as vinhas.
Simultaneamente, à solta nos socalcos do Douro e em noites de Lua Cheia, misteriosamente surgia uma donzela com o ventre rasgado. Com medo de encarar a verdade e com os olhos tapados pelo nevoeiro das crenças antigas, o povo douriense culpava os lobos por essa tragédia desumana. Todavia, Vespúcio Ortigão, homem debruçado nas ciências e com a mente aberta não acredita, e mostra ao Douro e ao próprio Mundo os avanços da ciência e da investigação criminal. Para tal, desmascara o assassino, mostrando que não se trata de um lobo, mas sim de um Homem.
Enquanto Vespúcio se preocupa com o assassino de que não conhece o rosto, D. Antónia trava uma guerra constante com um assassino que conhece bem o rosto e as marcas que deixa nas encostas que fazem o Douro serpentear e no seu povo. A fome vai chegando pouco a pouco, juntamente com a miséria e, com ela, a esperança vai desvanecendo.
D. Antónia e Vespúcio Ortigão acreditam que depois de uma lágrima derramada vem um sorriso verdadeiro, todavia, têm de lutar por aquilo em que acreditam contra tudo e contra todos.
Indubitavelmente, trata-se de uma obra que merece um lugar de destaque tanto nas estantes de uma biblioteca como na mesinha de cabeceira. Uma obra verdadeiramente empolgante e cativante.
Uma obra de fácil leitura e acessibilidade, impressionante do início ao fim. Mostra o amor à terra e a luta pelos sonhos.
Evidencia a luta constante por aquilo em que acreditamos e o ultrapassar de todos os obstáculos, tanto físicos como psicológicos. Estes últimos são certamente mais difíceis de ultrapassar, uma vez que estão incrementados na mente das pessoas e, quando se acredita verdadeiramente em algo, muito dificilmente alguém derruba essa crença.
Uma obra fascinante! Evidencia cada guerra travada para alterar toda uma crença que unia uma sociedade e a tornava paralisada no tempo, temente ao Bem e ao Mal, interrogando-se sobre o porquê de tanto Deus como o Demónio estarem contra os filhos do Douro.
Em cada página do livro é-nos evidenciada a força para alterar o presente. Em cada folha está uma amostra do potencial do Douro e das pessoas que, de mãos calejadas e rostos queimados pelo sol, lutam constantemente contra as pragas que tentam derrubar os socalcos do Douro. Um orgulho para qualquer português, especialmente douriense, ver num livro deste calibre o seio da sua terra enaltecido.
O Douro, com tanto para evidenciar, com uma história construída com muito suor, lágrimas e sangue, embora rodeado de crenças, não deixa de possuir uma paisagem idílica que consola os olhos e a mente.
Como afirma o próprio autor: “ O Douro era o ventre materno que a aconchegava no colo quando sofria ou era feliz. D. Antónia sabia. Ninguém é feliz para sempre. A felicidade é uma pontuação, não é uma frase. E só a pode sentir no auge das emoções quem sofreu intensamente. A sua vida, a vida de todos os mortais, era feita desta transitoriedade onde o único valor absoluto é a morte.”
Como um dia escreveu Fernando Pessoa “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena! Quem quer passar além do Bojador tem de passar além da dor”. É verdade que o Douro, para ser o que hoje se observa, tem por trás uma grande história, repleta de sofrimento e mágoa. Mas, “Quem subir ao alto de Vargelas ficará com a certeza de que chegou ao ponto mais belo do céu. O Douro visto daquele píncaro (…) é grandiosamente belo! As montanhas entrelaçam-se, magnificas, para, de repente, se escancararem em vales matizados com toda a paleta de verdes e castanhos que Deus inventou. E, pelas encostas, as quintas vão pintalgando de branco o silêncio majestoso por onde o Rio serpenteia.”