sábado, 29 de novembro de 2008

O Equador


Confesso que foi com curiosidade e uma certa admiração que me deixei embrenhar pelo romance de Miguel Sousa Tavares, editado em 2006 pela Oficina do livro, que se intitula Equador.
Miguel Sousa Tavares nasceu na cidade do Porto no dia 25 de Junho de 1952. Filho da emblemática Sophia de Mello Breyner Andersen e do advogado Francisco Sousa Tavares, Miguel Andersen de Sousa Tavares iniciou a sua vida profissional seguindo os passos do pai na advocacia, que viria a abandonar em favor do jornalismo. Seguiu depois o trilho da mãe no que se refere à escrita literária. Homem de opiniões fortes, tem nas crónicas e reportagens que elabora uma grande obra, tanto em quantidade como em qualidade. As suas aventuras literárias vão desde a publicação de livros infantis, passando por diversos contos e finalizando nos romances, dentro dos quais Equador ganha realce pois foi a inauguração nesta aventura. Rio de Flores é o seu mais actual romance. Entra todos os dias em nossa casa devido ao jornal “Expresso” e à estação de televisão TVI, onde é comentador, ou semanalmente através do jornal “A Bola”, onde ortografa a crónica intitulada “Nortada”.
Em Equador tudo começa numa manhã chuvosa de Dezembro, quando Luís Bernardo Valença é chamado por El-Rei D. Carlos a Vila Viçosa, no ano de 1905, ano em que Portugal tinha em sua posse as colónias de África.
Nunca em todo o trajecto de comboio que separa Lisboa de Vila Viçosa, Luís Bernardo imaginou o que o esperava daquela convocação repentina. Mas eis que as respostas às suas perguntas surgem. Devido às suas ideias e aos artigos que publicara sobre as colónias de África, defendendo os trabalhadores e levantando a discussão entre os “europeus” e os “africanistas”, El-Rei D. Carlos convida-o para Governador de S. Tomé e Príncipe. Em jogo, para além da governação da colónia, estava mostrar ao Mundo e principalmente aos ingleses que não existia trabalho escravo nas roças.
Luís Bernardo teria de trocar a sua vida despreocupada e mundana da capital lisboeta por uma missão patriótica nos desterros de África. Devido ao apoio dos amigos, salientando o seu companheiro de longa data João, Luís Bernardo aceita a nomeação.
Após ter desembarcado em S. Tomé, feitas as devidas conveniências e formalidades, Luís Bernardo começou a visita às roças. Cada uma tinha o seu mistério e o seu encanto.
O tempo passa... e vai passando... Luís Bernardo vê-se prestes a acolher um representante inglês para verificar se a escravatura que ainda existia nas colónias de um país que se dizia civilizado e evoluído. David e Ann Jameson chegam.
Os problemas começam a surgir. Luís Bernardo vê-se dividido entre a amizade pelo cônsul inglês e a descoberta arrevesada do amor. Para piorar a situação, ainda tem de lidar com mentalidades retrógradas e mesquinhas, levando-o a entrar em conflito com a metrópole e considerar-se um falhado A cada dia que passa sente-se mais desolado. A dignidade dos trabalhadores era, na maioria das roças, uma utopia. Apesar das suas ideias e filosofia de vida, a sociedade mesquinha que o rodeava não o deixava pô-las em prática.
Miguel Sousa Tavares consegue em Equador evidenciar bem a linha de separação entre dois mundos muito contrastantes: por um lado, temos uma metrópole dita “civilizada”, cheia de ideias, parada em serões libertinos e descontraídos, enquanto no outro lado deparamo-nos com dor e sofrimento, trabalho árduo, onde os pensamentos retrógrados e a ambição pelo lucro fazem esquecer tudo e todos.
Trata-se de um retrato bem delineado da sociedade portuguesa dos inícios do século XX, da inércia que a caracteriza. Embora existam ideias, a sociedade envolvente deixa muito a desejar, remetendo-nos para os “Vencidos da Vida”, ou como diz o próprio Luís Bernardo: “Não sei se sou eu que vencerei as ilhas ou elas que me vencerão a mim.”
Uma história cativante, com um vocabulário de fácil compreensão e acessibilidade. Esta obra leva-nos atrás no tempo, devido à história que se desenrola e à descrição minuciosa dos trajes da época, dos costumes, dos pensamentos, dos ideais de vida. Chegamos mesmo a sentir na pele os aromas, a humidade e o calor intensos que se encontram concentrados na densa atmosfera africana.
Todavia, pode-se transportar para o presente grandes lições de vida: adaptarmo-nos às condições mais adversas, ver em pequenas coisas um motivo para sorrir, não desistindo assim que o primeiro obstáculo aparece à nossa frente – tal como afirma o autor: “... ele desconhecia em absoluto a noção de tempo perdido e cada dia de vida era para ele uma dádiva, que nenhum desgosto e nenhum revés poderiam toldar.” – mas também a importância da amizade. É devido a ela que se enfrentam os mais dolorosos obstáculos, é ela que nos acompanha quando estamos sós, mesmo que seja numa “… aldeia metida dentro da selva e deixada à deriva no meio do Atlântico, à latitude do Equador...”.
Ao penetrar página a página deste livro, senti-me a viajar no tempo e conhecer um pouco da história do nosso país. Não aquela história maravilhosa, mas sim a do uso da escravatura, estando já esta abolida.
Um livro surpreendente que todos os portugueses deveriam ler, para que no fim se deixassem de discursos floridos e passassem realmente à acção...